A Sociedade Digital e o Direito Digital
A Sociedade Digital
"A Revolução Científica não foi uma revolução do conhecimento. Foi, acima de tudo, uma revolução da ignorância. A grande descoberta que deu início à Revolução Científica foi a descoberta de que os humanos não têm as respostas para suas perguntas mais importantes." (HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma brevehistória da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2017. p. 261)
A Constituição Federal de 1988 garante o direito ao livre acesso às informações e à cultura, garantia que já se encontrava na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948, marco da corrida internacional pela defesa dos direitos humanos e da democracia.
Art. 5º,inc. IX, da Constituição Federal do Brasil:
IX – É livre a expressão da atividadeintelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença.
Percebemos durante os anos o desenvolvimento da imprensa, da radiodifusão e da teledifusão, como importantes meios de propagação e divulgação de informação. Por outro lado, o avanço da informática e o advento da Internet foram os grandes responsáveis para a dispersão e a democratização de informações, dada a velocidade em que estes meios são capazes de propagá-las, trazendo consigo o novo conceito de multicomunicação: transmissão de texto, voz e imagem.
A Internet, a princípio, foi utilizada pelo exército estadunidense para proteção militar, sua evolução está ligada às facilidades que proporciona, como o correio eletrônico (email), o acesso a banco de dados e a informações disponíveis na WWW (World Wide Web) e seu espaço multimídia.Consiste, tecnicamente, na interligação de milhares de redes de computadoresque utilizam o mesmo padrão de transmissão de dados, como rádios walk-talks que utilizam a mesmafrequência, comparando groseiramente. Os computadores são ligados, fisicamente, através de linhas telefônicas, fibra óptica, satélite ou rádio e, para conectarem-se à rede, podem utilizar outro (servidor), ou se conectam diretamente por fio.
Alcançamos, após a transmissão de pacotes de dados online, a transmissão de conteúdo multimídia, ou seja, pacotes de áudio e vídeo. Desta forma, passou-se a exigir máquinas mais eficazes, além de redes mais velozes, com banda mais larga.
A sociedade caminha para uma convergência digital.
Esse movimento pode ser observado não apenas nos computadores, mas também nas televisões, telefones celulares, palm-tops, e qualquer outro aparelho multimídia capaz de trocar informações.
Juridicamente, este sistema digital é analisado pela complexidade das relações que se originam desta interação, destacando as relações comerciais. Tais relações exigem novas regras, regulamentos e princípios doutrinários, em conformidade com os antigos.É claro que com o aumento da velocidade na interação dos indivíduos, todas asrelações se modifiquem de certa forma, relações de trabalho, comerciais,pssoais, culturais, familiares, econômicas, pedagógicas, entre outras.
Todo esse avanço tecnológico na comunicação possui, também, sua face sombria e, até mesmo, assustadora. Criando-se uma aldeia global de informações, as pessoas passam a ter acesso quase que simultâneo aos acontecimentos do mundo. Isso é observado nas relações do mercado financeiro mundial, onde os efeitos de uma crise financeira no séc. XIX, de um lado do mundo, seria sentido do outro lado meses depois. Hoje os efeitos são imediatos, tanto em Nova Iorque, como em São Paulo, em Tóquio, Sydney, Moscou.
Saindo do campo econômico, sempre mais complexo que os outros, e, analisando as relações pessoais, percebemos que o grau de interatividade gerado por este avanço tecnológico obriga o mundo jurídico, e não somente ele, a criar “uma logística jurídica que reflita adiversidade cultural dos consumidores” (Patrícia Peck).
Ainda analisando essa convergência digital da sociedade, encontramos outra consequência deste fenômeno, a marginalização social gerada pela falta de conhecimento e preparo dos trabalhadores na utilização de novas tecnologias, o que se chama de analfabetismo digital. Torna-se necessário ao indivíduo enquadrar-se ao mundo virtual para garantir sua sobrevivência no mundo real.
Além do analfabetismo digital e da discrepância de conhecimento sobre tecnologia na sociedade, há ainda a questão do livre arbítrio. Esse fenômeno é visto de forma contundente com a evolução das mídias sociais e suas formas de interação. O indivíduo é capaz de viver de maneira dupla, virtual e real. As consequências dessa interação virtual obsessiva é justamente a perda gradativa do livre arbítrio, da livre escolha.
Chegamos ao ponto de não saber se compramos um tênis porque realmente precisávamos, ou se fomos levados de forma gradativa até aquela decisão.
Por outro lado, a globalização digital social consegue equiparar países, rompendo os limites e conceitos de soberania. Nos bastidores disso, ocorrem inúmeras disputas por espaços cibernéticos e conexões de rede, o que traz um grande poder à informação e a quem a detém. Neste contexto, há, ainda, o problema da classificação da internet no mundo jurídico, ora como lugar, como um espaço, ora como meio, como a televisão, o que proporciona ao Direito o desafio do desconhecido, da rápida interpretação dos fatos, da utilização de novas normas e regulamentos, para que todas essas novidades, juntamente, possam ser aplicadas aos casos concretos na mesma velocidade com que ocorrem estas mudanças no comportamento social.
O Direito Digital
A evolução dos mecanismos de comunicação gerou impacto nas relações e na interatividade entre as pessoas. Isso, combinado com os problemas jurídicos que se iniciam em razão dessa interatividade digital faz surgir o Direito Digital, caracterizado pelo dinamismo, praticidade e a utilização dos costumes sociais.
Este novo conceito de Direito utiliza os princípios fundamentais dos institutos vigentes, em todas as suas áreas. Como exemplo podemos citar algumas formas de incidência jurídica deste novo instituto, como: contratos eletrônicos, privacidade e proteção de dados, direitos autorais, direito de imagem, propriedade intelectual, segurança da informação, concorrência desleal, sabotagem por hackers, inteligência artificial, entre outros.
A partir do momento em que um fenômeno, no caso a evolução dos veículos de comunicação, atinge a massa, este fenômeno passa a ser abordado pelo Direito. Isto é um acontecimento histórico, que também ocorreu com a televisão, o telefone, o rádio, a imprensa e o fax.Todos eles trouxeram ao ordenamento jurídico peculiaridades e novos desafios.Não ocorreu de forma diferente com a internet, que não utiliza um Direitopróprio, mas sim, os institutos já vigentes, modificando apenas a forma comodevem ser interpretados.
Com passar do tempo surgiram legislações específicas, como: Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14), Lei dos Crimes Informáticos (Lei nº 12.737/12), Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/18).
Há autores que sustentam que o Direito Digital não deve ser colocado no papel em inúmeras normas e regulamentos, regido por leis próprias, pois, assim, estaria preso ao tempo e ao espaço, limitado a regras, onde na verdade deveriam prevalecer os princípios.
Tais princípios são encontrados no Direito Costumeiro, não que ignore por total o Direito Positivo, pelo contrário, une os princípios e a manifestação da vontade humana, com as normas e regulamentos vigentes, formando uma coesão de pensamentos para solucionar as questões da sociedade digital.
O Direito Costumeiro é composto por cinco elementos: a generalidade, a continuidade, a durabilidadee a notoriedade (publicidade).Dentro das diversas transformações sociais e da rapidez com que acontecem, noDireito Digital estes elementos devem se preocupar com o fator tempo, decisivo tas transformações.
A generalidade é encontrada na jurisprudência, característica do Direito Costumeiro, ou seja, para determinado comportamento gerar algum efeito na sociedade e no direito necessita repetir-se diversas vezes. Porém, devido a morosidade das decisões judiciais no Brasil, o Direito Digital utiliza-se, muitas vezes, da analogia e da arbitragem para capturar as transformações em curso.
Aliada à generalidade, encontra-se a uniformidade, que consiste num senso comum entre as decisões que estão sendo tomadas para dar o devido suporte à sociedade, especificamente ao consumidor.
Decisões genéricas e uniformes necessitam de continuidade, observamos, assim, o elemento da durabilidade, importante para dar credibilidade ao próprio ordenamento jurídico.
O último dos elementos, e talvez, o mais importante, é a notoriedade, ou publicidade, que tais decisões devem tomar perante a sociedade. Estas decisões para servirem como referência precisam se tornar públicas.
Por todo o exposto percebemos que “as características do Direito Digital, portanto, são as seguintes: celeridade, dinamismo, auto-regulamentação, poucas leis, base legal na prática costumeira, uso da analogia e solução por arbitragem” (Patrícia Peck).
Desta forma, observamos que o Direito Digital não é um instituto novo, mas sim um fenômeno gerado pelas transformações e rompimento das barreiras tecnológicas, que utiliza os princípios do Direito atual e a legislação vigente como alicerce para seu funcionamento junto à sociedade.
O escritório Rebucci Advogados está por dentro dos últimos acontecimentos do setor de inovação e tecnologia e Direito e à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o assunto.
Bibliografia:
PECK, Patrícia. Direito digital. São Paulo:Saraiva, 2002.